terça-feira, 16 de junho de 2009

Habitar o Vento

A antropóloga Margaret Mead é uma personagem monumental, uma das grandes mulheres do século XX. Fisicamente, contudo, era muito pequenina; aos 23 anos, mal media 1.50 metros e só pesava 46 quilos. Tinha essa idade em 1924, quando viajou para Samoa, na Polinésia, para fazer seu primeiro trabalho de campo. Assim, tão miúda, cabelo crespo e curto, grandes olhos azuis, óculos de fundo de garrafa e cara de menino travesso, Mead parecia uma garotinha. Com o tempo, porém, engordou muitíssimo. Foi uma mudança prodigiosa: ela se dilatou e se achatou como um croquete. Desde que fraturara uma perna em 1960, Margaret sempre levava consigo uma longa forquilha de castanheiro. Vista nas fotos dessa época, redonda e pigméia até o inverossímil e brandindo sua vara primitiva, a antropóloga parece um personagem de conto de fadas: um gnomo, uma bruxa resmungona mas bondosa, uma feiticeira arcaica.
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Margaret Mead é uma personagem complexa, secreta, contraditória, de uma enormidade irredutível e explicações fáceis. (...) Levantava-se todo dia às cinco da manhã e, antes de chegar ao seu escritório no museu americano de História Natural, já escrevera três mil palavras. Fez 39 livros, 1.397 artigos e 43 obras filmadas ou gravadas, e realizou cerca de 15 estudos de campo em lugares remotos. Mas além disso, e entre outras coisas, deu aulas em diversas universidades, trabalhou trinta anos como conservadora do museu, participou de todo tipo de conferência, dirigiu a Comissão de Hábitos Alimentícios (organismo oficial que mais tarde se tornaria a Unesco), deu tantas entrevistas quanto uma atriz de Hollywood, casou-se três vezes e, para culminar, teve uma filha, Catherine Beteson, também antropóloga (...).
Mead foi uma perfeita filha do seu tempo, uma jovem dos anos 1920. Era uma época de audácia e transgressão: as mulheres encurtavam as saias e os cabelos, ouviam jazz em porões turbulentos, bebiam álcool até perderem os sentidos, praticavam o amor livre e tornavam-se pilotos de corrida. Margaret jamais se permitiu algum excesso e, enquanto a cidade crepitava ao seu redor, dormia disciplinadamente em sua caminha de donzela; mas se desfez de suas espessas e simbólicas madeixas novecentistas (...) e foi a mais aventurosa de uma geração de aventureiras, a mais aguerrida de um mundo de guerreiras.
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Margaret Mead revolucionou a antropologia. Primeiro porque a popularizou: era uma ciência muito jovem e ela soube vende-la publicamente, contar detalhes saborosos nos jornais, fazer de si mesma uma personagem. Mas, além disso, desenvolveu e aperfeiçoou os métodos de trabalho (a aplicação da fotografia, por exemplo) e, sobretudo, fez perguntas que antes ninguém fazia. Centrou-se em temas aparentemente secundários naquela época: as mulheres, as crianças, as diferenças de gênero. Tornou-se famosa desde seu primeiro livro, mas com Sexo e Temperamento nas sociedades primitivas, publicado em 1930, armou uma revolução. A obra é o estudo de três tribos da Nova Guiné, relativamente próximas entre si, e nas quais os papeis sexuais eram completamente diferentes: na primeira, tanto homens quanto mulheres se comportavam de maneira passiva, afetuosa, maternal; na segunda, eles e elas eram agressivos e violentos; e na terceira, enfim, os varões atuavam segundo o estereótipo feminino ocidental (iam às compras, encrespavam o cabelo), enquanto as mulheres agiam segundo o estereótipo masculino (não se enfeitavam, eram as mais energéticas, as mais decididas).
De tudo isso, Mead deduzia sensatamente que as diferenças de comportamento em razão do sexo não eram naturais e imutáveis, mas sobretudo culturais; de modo que, com seus trabalhos, ela contribuiu substancialmente para libertar a mulher (e o homem, inegavelmente) dos estereótipos sexuais. Margaret Mead não estava sozinha nessa reclamação, e sim fazia parte de um amplo movimento científico que, na velha polêmica entre ambiente e herança, advogava a preponderância do cultural. Hoje, volta a estar na moda justamente o contrário, o biologismo. (...)
De fato, Mead foi pioneira de um dos conceitos centrais da modernidade: a valorização das diferenças.
Adaptado de Montero, Rosa; Histórias de Mulheres. Ed. Agir, 2008.


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