segunda-feira, 30 de novembro de 2009

Leiam e divirtam-se

Olá, amigos!
Seguem dois textos da professora Marilena Chauí sobre Indústria Cultural e Meios de Comunicação. Aproveitem a leitura e divirtam-se.
Té mais!

Indústria Cultural - Marilena Chauí

As obras de arte e de pensamento poderiam democratizar-se com os novos meios de comunicação, pois todos poderiam, em princípio, ter acesso a elas, conhecê-las, incorporá-las em suas vidas, criticá-las, e os artistas e pensadores poderiam superá-las em outras, novas.
A democratização da cultura tem como precondição a idéia de que os bens culturais (no sentido restrito de obras de arte e de pensamento e não no sentido antropológico amplo, que apresentamos no estudo sobre a idéia de Cultura) são direito de todos e não privilégio de alguns. Democracia cultural significa direito de acesso e de fruição das obras culturais, direito à informação e à formação culturais, direito à produção cultural.
Ora, a indústria cultural acarreta o resultado oposto, ao massificar a Cultura. Por quê?
Em primeiro lugar, porque separa os bens culturais pelo seu suposto valor de mercado: há obras “caras” e “raras”, destinadas aos privilegiados que podem pagar por elas, formando uma elite cultural; e há obras “baratas” e “comuns”, destinadas à massa. Assim, em vez de garantir o mesmo direito de todos à totalidade da produção cultural, a indústria cultural introduz a divisão social entre elite “culta” e massa “inculta”. O que é a massa? É um agregado sem forma, sem rosto, sem identidade e sem pleno direito à Cultura.
Em segundo lugar, porque cria a ilusão de que todos têm acesso aos mesmos bens culturais, cada um escolhendo livremente o que deseja, como o consumidor num supermercado. No entanto, basta darmos atenção aos horários dos programas de rádio e televisão ou ao que é vendido nas bancas de jornais e revistas para vermos que, através dos preços, as empresas de divulgação cultural já selecionaram de antemão o que cada grupo social pode e deve ouvir, ver ou ler.
No caso dos jornais e revistas, por exemplo, a qualidade do papel, a qualidade gráfica de letras e imagens, o tipo de manchete e de matéria publicada definem o consumidor e determinam o conteúdo daquilo a que terá acesso e tipo de informação que poderá receber. Se compararmos, numa manhã, cinco ou seis jornais, perceberemos que o mesmo mundo – este no qual todos vivemos – transforma-se em cinco ou seis mundos diferentes ou mesmo opostos, pois um mesmo acontecimento recebe cinco ou seis tratamentos diversos, em função do leitor que a empresa jornalística pretende atingir.
Em terceiro lugar, porque inventa uma figura chamada “espectador médio”, “ouvinte médio” e “leitor médio”, aos quais são atribuídas certas capacidades mentais “médias”, certos conhecimentos “médios” e certos gostos “médios”, oferecendo-lhes produtos culturais “médios”. Que significa isso?
A indústria cultural vende Cultura. Para vendê-la, deve seduzir e agradar o consumidor. Para seduzi-lo e agradá-lo, não pode chocá-lo, provocá-lo, fazê-lo pensar, fazê-lo ter informações novas que o perturbem, mas deve devolver-lhe, com nova aparência, o que ele já sabe, já viu, já fez. A “média” é o senso comum cristalizado que a indústria cultural devolve com cara de coisa nova.
Em quarto lugar, porque define a Cultura como lazer e entretenimento, diversão e distração, de modo que tudo o que nas obras de arte e de pensamento significa trabalho da sensibilidade, da imaginação, da inteligência, da reflexão e da crítica não tem interesse, não “vende”. Massificar é, assim, banalizar a expressão artística e intelectual. Em lugar de difundir e divulgar a Cultura, despertando interesse por ela, a indústria cultural realiza a vulgarização das artes e dos conhecimentos.
(Marilena Chauí; Convite à Filosofia)

Meios de Comunicação - Marilena Chauí

OS MEIOS DE COMUNICAÇÃO

Dos meios de comunicação, sem dúvida, o rádio e a televisão manifestam mais do que todos os outros esses traços da indústria cultural.
Começam introduzindo duas divisões: a dos públicos (as chamadas “classes” A, B, C e D) e a dos horários (a programação se organiza em horários específicos que combinam a “classe”, a ocupação – donas-de-casa, trabalhadores manuais, profissionais liberais, executivos -, a idade – crianças, adolescentes, adultos – e o sexo).
Essa divisão é feita para atender às exigências dos patrocinadores, que financiam os programas em vista dos consumidores potenciais de seus produtos e, portanto, criam a especificação do conteúdo e do horário de cada programa. Em outras palavras, o conteúdo, a forma e o horário do programa já trazem em seu próprio interior a marca do patrocinador.
Muitas vezes, o patrocinador financia um programa que nada tem a ver, diretamente, com o conteúdo e a forma veiculados. Ele o faz porque, nesse caso, não está vendendo um produto, mas a imagem de sua empresa. É assim, por exemplo, que uma empresa de cosméticos pode, em lugar de patrocinar um programa feminino, patrocinar concertos de música clássica; uma revendedora de motocicletas, em lugar de patrocinar um programa para adolescentes, pode patrocinar um programa sobre ecologia.
A figura do patrocinador determina o conteúdo e a forma de outros programas, ainda que não patrocinados por ele. Por exemplo, um banco de um governo estadual pode patrocinar um programa de auditório, pois isto é conveniente para atrair clientes, mas pode, indiretamente, influenciar o conteúdo veiculado pelos noticiários. Por quê?
Porque a quantidade de dinheiro paga pelo banco à rádio ou à televisão para o programa de auditório é muito elevada e interessa aos proprietários daquela rádio ou televisão. Se o noticiário apresentar notícias desfavoráveis ao governo do Estado ao qual pertence o banco, este pode suspender o patrocínio do programa de auditório. Para não perder o cliente, a emissora de rádio ou de televisão não veicula notícias desfavoráveis àquele governo e, pior, veicula apenas as que lhe são favoráveis. Dessa maneira, o direito à informação desaparece e os ouvintes ou telespectadores são desinformados ou ficam mal informados.
A desinformação, aliás, é o principal resultado da maioria dos noticiários de rádio e televisão. Com efeito, como são apresentadas as notícias? De modo geral, são apresentadas de maneira a impedir que o ouvinte e o espectador possam localizá-la no espaço e no tempo.
Falta de localização espacial: o espaço real é o aparelho de rádio e a tela da televisão, que tem a peculiaridade de retirar as diferenças e distâncias geográficas, de tal modo que algo acontecido na China, na Índia, nos Estados Unidos ou em Campina Grande pareça igualmente próximo e igualmente distante.
Falta de localização temporal: os acontecimentos são relatados como se não tivessem causas passadas nem efeitos futuros; surgem como pontos puramente atuais ou presentes, sem continuidade no tempo, sem origem e sem conseqüências; existem enquanto forem objetos de transmissão e deixam de existir se não forem transmitidos.
Paradoxalmente, rádio e televisão podem oferecer-nos o mundo inteiro num instante, mas o fazem de tal maneira que o mundo real desaparece, restando apenas retalhos fragmentados de uma realidade desprovida de raiz no espaço e no tempo. Nada sabemos, depois de termos tido a ilusão de que fomos informados sobre tudo.
Também é interessante a inversão entre realidade e ficção produzida pela mídia. Acabamos de mencionar o modo como o noticiário nos apresenta um mundo irreal, sem História, sem causas nem conseqüências, descontínuo e fragmentado. Em contrapartida, as novelas criam o sentimento de realidade. Elas o fazem usando três procedimentos principais:

1. o tempo dos acontecimentos novelísticos é lento para dar a ilusão de que, a cada capítulo, passou-se apenas um dia de nossa vida, ou passaram-se algumas horas, tais como realmente passariam se fôssemos nós a viver os acontecimentos narrados;
2. os personagens, seus hábitos, sua linguagem, suas casas, suas roupas, seus objetos são apresentados com o máximo de realismo possível, de modo a impedir que tenhamos distância diante deles (ao contrário do cinema e do teatro, que suscitam em nós o sentimento de proximidade justamente porque nos fazem experimentar o da distância);
3. como conseqüência, a novela nos aparece como relato do real, enquanto o noticiário nos aparece como irreal. Basta ver, por exemplo, a reação de cidades inteiras quando uma personagem da novela morre (as pessoas choram, querem ir ao enterro, ficam de luto) e a falta de reação das pessoas diante de chacinas reais, apresentadas nos noticiários.
Vale a pena, também, mencionar dois outros efeitos que a mídia produz em nossas mentes: a dispersão da atenção e a infantilização.
Para atender aos interesses econômicos dos patrocinadores, a mídia divide a programação em blocos que duram de sete a dez minutos, cada bloco sendo interrompido pelos comerciais. Essa divisão do tempo nos leva a concentrar a atenção durante os sete ou dez minutos de programa e a desconcentrá-la durante as pausas para a publicidade.
Pouco a pouco, isso se torna um hábito. Artistas de teatro afirmam que, durante um espetáculo, sentem o público ficar desatento a cada sete minutos. Professores observam que seus alunos perdem a atenção a cada dez minutos e só voltam a se concentrar após uma pausa que dão a si mesmos, como se dividissem a aula em “programa” e “comercial”.
Ora, um dos resultados dessa mudança mental transparece quando criança e jovem tentam ler um livro: não conseguem ler mais do que sete a dez minutos de cada vez, não conseguem suportar a ausência de imagens e ilustrações no texto, não suportam a idéia de precisar ler “um livro inteiro”. A atenção e a concentração, a capacidade de abstração intelectual e de exercício do pensamento foram destruídas. Como esperar que possam desejar e interessar-se pelas obras de arte e de pensamento?
Por ser um ramo da indústria cultural e, portanto, por ser fundamentalmente uma vendedora de Cultura que precisa agradar o consumidor, a mídia infantiliza. Como isso acontece? Uma pessoa (criança ou não) é infantil quando não consegue suportar a distância temporal entre seu desejo e a satisfação dele. A criança é infantil justamente porque para ela o intervalo entre o desejo e a satisfação é intolerável (por isso a criança pequenina chora tanto).
Ora, o que faz a mídia? Promete e oferece gratificação instantânea. Como o consegue? Criando em nós os desejos e oferecendo produtos (publicidade e programação) para satisfazê-los. O ouvinte que gira o dial do aparelho de rádio continuamente e o telespectador que muda continuamente de canal o fazem porque sabem que, em algum lugar, seu desejo será imediatamente satisfeito.
Além disso, como a programação se dirige ao que já sabemos e já gostamos, e como toma a cultura sob a forma de lazer e entretenimento, a mídia satisfaz imediatamente nossos desejos porque não exige de nós atenção, pensamento, reflexão, crítica, perturbação de nossa sensibilidade e de nossa fantasia. Em suma, não nos pede o que as obras de arte e de pensamento nos pedem: trabalho sensorial e mental para compreendê-las, amá-las, criticá-las, superá-las. A Cultura nos satisfaz, se tivermos paciência para compreendê-la e decifrá-la. Exige maturidade. A mídia nos satisfaz porque nada nos pede, senão que permaneçamos sempre infantis.
(Convite à Filosofia)

terça-feira, 20 de outubro de 2009

Adorno e a Indústria Cultural

Theodor Adorno, filósofo e sociólogo alemão, projetou-se como um dos críticos mais ácidos dos modernos meios de comunicação de massa. Ao exilar-se nos Estados Unidos, entre 1938 e 1946, percebeu que a mídia não se voltava apenas para suprir as horas de lazer ou dar informações aos seus ouvintes ou espectadores, mas fazia parte do que ele chamou de industria cultural. Um imenso maquinismo composto por milhares de aparelhos de transmissão e difusão que visava produzir e reproduzir um clima conformista e dócil na multidão passiva.

Indo para a América

"A civilização atual a tudo confere um ar de semelhança" M.Horkheimer e T.Adorno – a Indústria Cultural, 1947

Theodor Adorno, nascido em Frankfurt, na Alemanha, em 1903, foi daqueles tantos intelectuais, cientistas, artistas, compositores e escritores alemães, que, na década de 1930, por serem de descendência judaica ou por inclinarem-se pelo socialismo, ou ambas as coisas, foram obrigados a emigrar para os Estados Unidos, naquilo que foi, talvez, a maior evasão de cérebros registrada na história contemporânea. Ele pertencia a um grupo de pensadores extremamente sofisticado que fazia parte da famosa Escola de Frankfurt, fundada em 1923, e que fora constrangido a sair do país nos anos seguintes da ascensão do nacional-socialismo ao poder.
É de se imaginar o contentamento dele quando, ainda na Suíça, no outono de 1938, recebeu um inesperado telefonema de Londres do seu particular amigo e parceiro, Max Horkheimer. Era um convite para que ele fosse à América para assumir uma pesquisa a serviço da Universidade de Princeton, a mesma que, em 1933, convidara Albert Einstein para integrar o seu corpo docente.
Tratava-se de um projeto e tanto, pois a Radio Research Projet queria saber tudo sobre os ouvintes norte-americanos. Nova Iorque provocou-lhe uma estranha reação. Chocou-o a convivência dos “palácios colossais...dos grandes cartéis internacionais”, com sombrios edifícios erguidos para os pequenos negócios, formando, no geral, um ar de cidade desolada. Nem mesmo o plano municipal de levar gente a morar nos subúrbios mais afastados, dando as residências um ar de individualidade, o consolou.

A estandartização americana

Para ele, um europeu refinado que passara boa parte da sua vida cultivando a música modernista de Alban Berg e, depois, a de Schönberg e sua atonalidade incidental, a América pareceu-lhe toda igual. Contraditoriamente, o país que mais celebrava e enaltecia a singularidade, a cada um procurar ser algo bem diferente dos demais, não parava de produzir e imprimir tudo idêntico, tudo estandartizado. A imensa rede de atividades que cobria toda a cidade era regida apenas pela ideologia do negócio. Numa sociedade onde as pessoas somente sorriam se ganhavam uma gorjeta, nada escapava das motivações do lucro e do interesse. Aprofundando-se no estudo da mídia norte-americana, entendeu que por detrás daquele aparente caos, onde rádios, filmes, revistas e jornais, atuavam de maneira livre e independente, havia uma espécie de monopólio ideológico cujo objetivo era a domesticação das massas. Quando o cidadão saía do seu serviço e chegava em casa , a mídia não o deixava em paz, bombardeando-o, a ele e à família, com programas de baixo nível, intercalados com anúncios carregados de clichês conformistas, comprometendo-o com a produção e o consumo.
Não se tratava, para ele, de que aqueles sem fim de novelas e shows de auditórios refletissem a vontade das massas, algo autêntico e espontâneo, vindo do meio do povo. Um anseio que os profissionais da mídia apenas procuravam dar corpo, transformando-os diversão e entretenimento. Ao contrário, demonstrava, isso sim, a existência de uma poderosa e influente indústria cultural que, de forma planejada, impingia aos seus consumidores doses cavalares de lugares comuns e banalidades, cujo objetivo era ajudar a reproduzir “o modelo do gigantesco mecanismo econômico” que pressionava sem parar a sociedade como um todo.
Lá, na América, não havia espaço neutro. Não ocorria uma cisão entre a produção e o lazer. Tudo era a mesma coisa, tudo girava em função do grande sistema. Dessa forma, qualquer coisa que causasse reflexão, uma inquietação mais profunda, era imediatamente expelida pela industria cultural como indigesta ou impertinente. Adorno, terminada a Segunda Guerra, voltou para a Europa, para Frankfurt, atarefado em reabria a sua escola de sociologia. Morreu em 1969, arrasado com a humilhação que estudantes ultra-esquerdistas o submeteram, em plena sala de aula, durante a revolta de 1968/9.

Obras principais de Adorno




1933 - Kierkegaard. Konstruktion des Ästhetischen (Kierkegaard, a construção da estética)
1947 - Dialektik der Aufklärung. Philosophische Fragmente (A dialética do esclarecimento.
Filosofia em fragmento), com Max Horkheimer)
1949 - Philosophie der neuen Musik (A filosofia da nova música)
1950 - The Authoritarian Personality (A personalidade autoritária) juntamente com E. Frenkel-Brunswik, D. J. Levinson e R. N. Sanford)
1951 - Minima Moralia. (Mínima morália)
1956 - Zur Metakritik der Erkenntnistheorie. (Sobre a metacrítica da teoria do conhecimento)
1967 - Negative Dialektik (Dialética negativa)
1970 - Ästhetische Theorie (Teoria estética)
1971 - Soziologische Schriften (Escritos sociológicos)

Pra assistir, ler, pensar e comentar (ufa!)

Lembram dos Titãs?
Pois então: no início desta década, em 2001, eles lançaram um CD com um título sugestivo e, cá pra nós, bem legal! Chamava-se "A melhor banda de todos os tempos da última semana" e era também título de uma das faixas do CD.
Conhecem?
Assistam ao clipe da música e leiam a letra dela.
Após, comentem a letra sob a perspectiva do que começamos a conversar sobre "Indústria Cultural e Cultura de Massas".
Segue o link para o clipe e letra.




A Melhor Banda De Todos Os Tempos Da Última Semana
Titãs
Composição: Branco Mello / Sérgio Britto

Quinze minutos de fama
Mais um pros comerciais,
Quinze minutos de fama
Depois descanse em paz.

O gênio da última hora,
É o idiota do ano seguinte
O último novo-rico,
É o mais novo pedinte

A melhor banda de todos os tempos da última semana
O melhor disco brasileiro de música americana
O melhor disco dos últimos anos de sucessos do passado
O maior sucesso de todos os tempos entre os dez maiores fracassos

Não importa contradição
O que importa é televisão
Dizem que não há nada que você não se acostume
Cala a boca e aumenta o volume então

As músicas mais pedidas
Os discos que vendem mais,
As novidades antigas
Nas páginas do jornais

Um idiota em inglês,
Se é um idiota, é bem menos que nós
Um idiota em inglês
É bem melhor do que eu e vocês

A melhor banda de todos os tempos da última semana
O melhor disco brasileiro de música americana
O melhor disco dos últimos anos de sucessos do passado
O maior sucesso de todos os tempos entre os dez maiores fracassos

Não importa contradição
O que importa é televisão
Dizem que não há nada que você não se acostume
Cala a boca e aumenta o volume então

Os bons meninos de hoje
Eram os rebeldes da outra estação
O ilustre desconhecido
É o novo ídolo do próximo verão

A melhor banda de todos os tempos da última semana
O melhor disco brasileiro de música americana
O melhor disco dos últimos anos de sucessos do passado
O maior sucesso de todos os tempos entre os dez maiores fracassos

Comentem.
Té mais!



Ps: Leiam o post que se segue, sobre Theodor Adorno.

quinta-feira, 25 de junho de 2009

Proposta

Pois então:

Conversamos hoje em aula e pedi a vocês que fizessem um comentário sobre a pesquisa relacionada ao preconceito nas escolas públicas.

Mantenho a proposta. E peço que vocês procurem utilizar como apoio os textos publicados no blog sobre minorias pois eles podem auxiliar nas postagens de vocês.

Porém...

Caso não queiram comentar o texto sobre preconceito, sugiro como alternativa para atividade o texto sobre o conceito de Ideologia para Marx.

Fica a sugestão. 

A opção é de vocês e, lembro, a postagem deve ser feita até terça-feira, 30 de junho.

Abraços,

quarta-feira, 17 de junho de 2009

Pesquisa revela preconceito nas escolas

Flávia Albuquerque, UOL educação, 17/06/2009

Pesquisa realizada em 501 escolas públicas de todo o país, baseada em entrevistas com mais de 18,5 mil alunos, pais e mães, diretores, professores e funcionários, revelou que 99,3% dessas pessoas demonstram algum tipo de preconceito étnico-racial, socioeconômico, com relação a portadores de necessidades especiais, gênero, geração, orientação sexual ou territorial. 


O estudo, divulgado nesta quarta-feira (17), em São Paulo, e pioneiro no Brasil, foi realizado com o objetivo de dar subsídios para a criação de ações que transformem a escola em um ambiente de promoção da diversidade e do respeito às diferenças.

De acordo com a pesquisa Preconceito e Discriminação no Ambiente Escolar, realizada pela Fipe (Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas) a pedido do Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira), 96,5% dos entrevistados têm preconceito com relação a portadores de necessidades especiais, 94,2% têm preconceito étnico-racial, 93,5% de gênero, 91% de geração, 87,5% socioeconômico, 87,3% com relação à orientação sexual e 75,95% têm preconceito territorial.

Segundo o coordenador do trabalho, José Afonso Mazzon, professor da FEA-USP (Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo), a pesquisa conclui que as escolas são ambientes onde o preconceito é bastante disseminado entre todos os atores. "Não existe alguém que tenha preconceito em relação a uma área e não tenha em relação a outra. A maior parte das pessoas tem de três a cinco áreas de preconceito. O fato de todo indivíduo ser preconceituoso é generalizada e preocupante", disse.

Com relação à intensidade do preconceito, o estudo avaliou que 38,2% têm mais preconceito com relação ao gênero e que isso parte do homem com relação à mulher. Com relação à geração (idade), 37,9% têm preconceito principalmente com relação aos idosos. A intensidade da atitude preconceituosa chega a 32,4% quando se trata de portadores de necessidades especiais e fica em 26,1% com relação à orientação sexual, 25,1% quando se trata de diferença socioeconômica, 22,9% étnico-racial e 20,65% territorial.

O estudo indica ainda que 99,9% dos entrevistados desejam manter distância de algum grupo social. Os deficientes mentais são os que sofrem maior preconceito com 98,9% das pessoas com algum nível de distância social, seguido pelos homossexuais com 98,9%, ciganos (97,3%), deficientes físicos (96,2%), índios (95,3%), pobres (94,9%), moradores da periferia ou de favelas (94,6%), moradores da área rural (91,1%) e negros (90,9%).

De acordo com o diretor de Estudos e Acompanhamentos da Secad (Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade) do MEC (Ministério da Educação), Daniel Chimenez, o resultado desse estudo será analisado detalhadamente uma vez que o MEC já demonstrou preocupação com o tema e com a necessidade de melhorar o ambiente escolar e de ampliar ações de respeito à diversidade.

"No MEC já existem iniciativas nesse sentido [de respeito à diversidade], o que precisa é melhorar, aprofundar, alargar esse tipo de abordagem, talvez até para a criação de um possível curso de ambiente escolar que reflita todas essas temáticas em uma abordagem integrada", disse.



terça-feira, 16 de junho de 2009

Habitar o Vento

A antropóloga Margaret Mead é uma personagem monumental, uma das grandes mulheres do século XX. Fisicamente, contudo, era muito pequenina; aos 23 anos, mal media 1.50 metros e só pesava 46 quilos. Tinha essa idade em 1924, quando viajou para Samoa, na Polinésia, para fazer seu primeiro trabalho de campo. Assim, tão miúda, cabelo crespo e curto, grandes olhos azuis, óculos de fundo de garrafa e cara de menino travesso, Mead parecia uma garotinha. Com o tempo, porém, engordou muitíssimo. Foi uma mudança prodigiosa: ela se dilatou e se achatou como um croquete. Desde que fraturara uma perna em 1960, Margaret sempre levava consigo uma longa forquilha de castanheiro. Vista nas fotos dessa época, redonda e pigméia até o inverossímil e brandindo sua vara primitiva, a antropóloga parece um personagem de conto de fadas: um gnomo, uma bruxa resmungona mas bondosa, uma feiticeira arcaica.
(...)
Margaret Mead é uma personagem complexa, secreta, contraditória, de uma enormidade irredutível e explicações fáceis. (...) Levantava-se todo dia às cinco da manhã e, antes de chegar ao seu escritório no museu americano de História Natural, já escrevera três mil palavras. Fez 39 livros, 1.397 artigos e 43 obras filmadas ou gravadas, e realizou cerca de 15 estudos de campo em lugares remotos. Mas além disso, e entre outras coisas, deu aulas em diversas universidades, trabalhou trinta anos como conservadora do museu, participou de todo tipo de conferência, dirigiu a Comissão de Hábitos Alimentícios (organismo oficial que mais tarde se tornaria a Unesco), deu tantas entrevistas quanto uma atriz de Hollywood, casou-se três vezes e, para culminar, teve uma filha, Catherine Beteson, também antropóloga (...).
Mead foi uma perfeita filha do seu tempo, uma jovem dos anos 1920. Era uma época de audácia e transgressão: as mulheres encurtavam as saias e os cabelos, ouviam jazz em porões turbulentos, bebiam álcool até perderem os sentidos, praticavam o amor livre e tornavam-se pilotos de corrida. Margaret jamais se permitiu algum excesso e, enquanto a cidade crepitava ao seu redor, dormia disciplinadamente em sua caminha de donzela; mas se desfez de suas espessas e simbólicas madeixas novecentistas (...) e foi a mais aventurosa de uma geração de aventureiras, a mais aguerrida de um mundo de guerreiras.
(...)
Margaret Mead revolucionou a antropologia. Primeiro porque a popularizou: era uma ciência muito jovem e ela soube vende-la publicamente, contar detalhes saborosos nos jornais, fazer de si mesma uma personagem. Mas, além disso, desenvolveu e aperfeiçoou os métodos de trabalho (a aplicação da fotografia, por exemplo) e, sobretudo, fez perguntas que antes ninguém fazia. Centrou-se em temas aparentemente secundários naquela época: as mulheres, as crianças, as diferenças de gênero. Tornou-se famosa desde seu primeiro livro, mas com Sexo e Temperamento nas sociedades primitivas, publicado em 1930, armou uma revolução. A obra é o estudo de três tribos da Nova Guiné, relativamente próximas entre si, e nas quais os papeis sexuais eram completamente diferentes: na primeira, tanto homens quanto mulheres se comportavam de maneira passiva, afetuosa, maternal; na segunda, eles e elas eram agressivos e violentos; e na terceira, enfim, os varões atuavam segundo o estereótipo feminino ocidental (iam às compras, encrespavam o cabelo), enquanto as mulheres agiam segundo o estereótipo masculino (não se enfeitavam, eram as mais energéticas, as mais decididas).
De tudo isso, Mead deduzia sensatamente que as diferenças de comportamento em razão do sexo não eram naturais e imutáveis, mas sobretudo culturais; de modo que, com seus trabalhos, ela contribuiu substancialmente para libertar a mulher (e o homem, inegavelmente) dos estereótipos sexuais. Margaret Mead não estava sozinha nessa reclamação, e sim fazia parte de um amplo movimento científico que, na velha polêmica entre ambiente e herança, advogava a preponderância do cultural. Hoje, volta a estar na moda justamente o contrário, o biologismo. (...)
De fato, Mead foi pioneira de um dos conceitos centrais da modernidade: a valorização das diferenças.
Adaptado de Montero, Rosa; Histórias de Mulheres. Ed. Agir, 2008.


segunda-feira, 15 de junho de 2009

Marx e ideologia

Longe de nos ser apresentado como perfeito, “nosso mundo” nos é dado como tragédia.
O realismo das imagens, sim nosso mundo é imagético, nos dá informações precisas sobre guerras, crimes, miséria, fome, fratricídios, homicídios; nos dá a prova que diante dos fatos desse nosso mundo, ele que é como é, nada adianta fazer. Rendemo-nos, assim, ao reino do determinismo; da impossibilidade de ação; da quase certeza da índole destrutiva do homem que é, Hobbes está com a razão, lobo do homem.

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É curioso notar como Marx apresenta sua leitura ou construção teórica para o conceito de ideologia.
A teoria marxista, numa análise assumidamente rasteira, digo logo, é teoria materialista. Enxerga o homem envolvido sempre em determinadas relações, relações de produção, que resultam primeiramente da necessidade de satisfação daquilo que nos é básico; elementar. Afinal, precisamos comer para existir, crescer, reproduzir e garantir perpetuação como espécie. Nesse processo, nos relacionamos com nossos semelhantes e com a natureza. Damos significado ao mundo e adquirimos, nós também, significado/existência diante dele. O ato fundador de todo esse processo é o trabalho. Somos o que e como (no caso, em que condições) trabalhamos. Daí teoria materialista.
O desenvolvimento das formas e relações de trabalho ao longo da história humana engendrou novas relações entre homens; estabeleceu uma divisão do trabalho cada vez mais complexa e, com o aparecimento da propriedade privada dos meios de produção, uma separação entre grupos ou “classes sociais” – para manter fidelidade a termologia marxista.
Vale frisar que, para Marx, o conceito de classes sociais está intimamente relacionado ao processo de produção sendo que a posição social de um indivíduo relaciona-se intimamente à posição que ele ocupa neste processo. Exemplificando: na sociedade capitalista as classes sociais fundamentais, burguesia e proletariado, distinguem-se pelo fato de a primeira ser a detentora dos meios de produção e a segunda, por ser expropriada destes.

Como afirmam Marx e Engels em A Ideologia Alemã, ao marcarem sua oposição ao idealismo:

“... parte-se dos homens realmente ativos e, a partir de seu processo de vida real, expõe-se também o desenvolvimento dos processos ideológicos e dos ecos desse processo de vida. (...) Não é a consciência que determina a vida, mas a vida que determina a consciência.”

Partindo de tal premissa, toda a produção da consciência humana - em qualquer momento histórico - encontra-se condicionada às relações materiais de produção; é expressão de tais relações. O espírito é impregnado, desde sempre, de materialidade. Outra forma de dizer o mesmo: ideologia, para Marx, é intimamente ligada, determinada, pela ação dos homens envolvidos no processo de produção. Temos aí, nessa afirmação da base material da produção das idéias, o elemento definidor do conceito de ideologia para a teoria marxista.

Seguimos: como classe dominante, a burguesia se apropria do aparelho do Estado, utilizando-o no sentido de garantir sua dominação sobre as classes subalternas. Repressão legal, quer seja ela política, jurídica ou policial, constituem a expressão dessa dominação. Para além disso, a dominação burguesa se dá também através do discurso ideológico.

Continuando com Marx:

"As idéias da classe dominante são, em cada época, as idéias dominantes; isto é, a classe que é a força material dominante da sociedade é, ao mesmo tempo, sua força espiritual dominante. A classe que tem à sua disposição os meios de produção material dispõe, ao mesmo tempo, dos meios de produção espiritual, o que faz com que a ela sejam submetidas, ao mesmo tempo e em média, as idéias daqueles aos quais faltam os meios de produção espiritual."

Ou ainda:

"Os indivíduos que constituem a classe dominante possuem, entre outras coisas, também consciência e, por isso, pensam; na medida em que dominam como classe e determinam todo o âmbito de uma época histórica, é evidente que o façam em toda a sua extensão e, consequentemente, entre outras coisas, dominem também como pensadores, como produtores de idéias... e que suas idéias sejam, por isso mesmo, as idéias dominantes de uma época.”

Tais passagens deixam clara a conexão que existe entre produção de idéias e idéias dominantes em um dado modo de produção. As idéias que sobressaem em determinado período são, na verdade, as idéias da classe que detém o poder econômico e político em um período. Mais ainda, são representações ideais das relações de dominação, o que significa dizer que não correspondem à realidade que tais relações implicam em sociedade. O ser real de uma dada sociedade é encoberto, mostrando-se uma expressão ideal, portanto errônea, do que de fato ela é. Dessa forma, as idéias assumem a forma de convencimento; o que justifica, reproduz e busca perpetuar determinada classe no poder.

Retomando nosso ponto de partida: os meios de comunicação de massa, expressões da dominação capitalista numa era de informação e imagem, nos mostram sim uma realidade, porém desprovida de significados que nos permitam entender o que nos é dado como real. O “hobbesianismo” se legitima pela falta de conexão causal entre criador e criatura. Explico: violência e miséria não seriam o resultado exclusivo da falta de caráter ou da maldade de parcela dos homens, mas sim de um sistema que produz crescente violência e miséria, subprodutos dos interesses econômicos de um grupo dominante.
Ah! Assim não questionamos a sociedade capitalista, mostrada idealmente e vista como produtora de igualdades, mantenedora das oportunidades e, a sua maneira, promotora de uma justiça jamais vista em nossa história. Tornamo-nos passivos diante de um aparente determinismo, fincado na ganância, maldade e no cinismo humano. Mudar? Não adianta. Hobbes tinha razão ou é só discurso ideológico?

Ubatuba, 15 de junho de 2009.



Minorias: lutas populares e direitos humanos

Por Maria Vitória de Mesquita Benevides

(...) A respeito de minorias, queria lembrar também a confusão que se faz num país como o nosso sobre o próprio conceito de minoria. O que queremos dizer quando nos referimos aos direitos das minorias? Que minorias são essas? Eu sempre acho um pouco de graça quando se fala de mulheres e negros como minorias no Brasil, porque, sobre qualquer ponto de vista do conjunto da sociedade, numericamente tomada, mulheres e negros e/ou descendentes da raça negra são majoritários no país. Assim, é preciso entender que, em alguns países do primeiro mundo, o conceito de minoria é claro, porque se refere àqueles grupos que, por razões até mesmo forçadas de uma imigração econômica, ou política, ou religiosa, são minoria no sentido de não estarem integrados a um determinado sistema legal, a uma determinada ordem jurídica que reconhece direitos e deveres de cidadania, como o são as minorias religiosas, étnicas ou raciais que existem no primeiro mundo e que, como sabemos, estão efetivamente à mercê da nova ordem bárbara dos nacionalismos, da discriminação e do racismo. Neste caso, o conceito de minoria é também um conceito numérico. São grupos minoritários inseridos em sociedades mais amplas e que estão inicialmente desprovidos dessa inserção legal. Então, a sua luta é no sentido não apenas do reconhecimento cultural, mas também da inserção legal como nacionais, como cidadãos. No caso do Brasil, a idéia de minoria não é tão clara e, quando falamos de Lutas Populares e Direitos Humanos, a questão aparece com maior clareza ainda, porque aqueles mais carentes de direitos humanos são justamente os que formam também a maioria numérica do país.



http://www.dhnet.org.br/direitos/militantes/mariavictoria/vitoriapr.html


Maioria e minoria

Desde o início, a pesquisa antropológica sempre deu mais atenção aos povos não-europeus, às minorias étnicas, aos grupos que não fazem parte da cultura dominante. Atualmente, esse interesse pela alteridade cultural continua, o que explica por que as minorias religiosas, sexuais ou profissionais recebem atenção dos pesquisadores.
Aliás, os conceitos de maioria e minoria também se complexificaram ao longo dos últimos anos.
Seria muito fácil definir essas noções de modo numérico. Acontece que, às vezes, uma maioria numérica tem menos força do que uma minoria. Veja-se o caso das mulheres: embora dados estatísticos mostrem que há mais mulheres do que homens no Brasil, elas ocupam menos cargos públicos e recebem salários menores do que os homens. Em contrapartida, há certas classes profissionais – como é o caso dos médicos ou dos advogados – que, apesar de serem minoria numérica no mercado de trabalho, têm um enorme prestígio social, o que significa um alto poder de mobilização na defesa dos seus interesses. Outras profissões, estatisticamente mais representativas, não têm tanta expressividade social.


A questão da alteridade

A Antropologia é a ciência da diferença, da alteridade.
Alteridade se opõe a identidade. Aliás, o radical alter significa, em Latim, “outro”. Portanto, se o “eu” define a identidade, o “outro” caracteriza a alteridade. A relação entre cada membro de uma mesma cultura é de “identidade”; a relação entre membros de culturas diferentes é de “alteridade”.
Muitas vezes, para fazer parte de um grupo social – de um Estado, de uma etnia ou de uma religião – e, assim, afirmar uma identidade é preciso dialogar com a alteridade. Isso porque fazer parte de uma cultura é não fazer de outra. Aos antropólogos, não cabe somente estudar os conflitos que podem advir daí, mas sim analisar as condições em que se estabelecem os laços de identidade e as relações de alteridade.

Antropologia e cultura

Europa, século XIX: a visão cientificista de mundo, produto e produtora do mundo capitalista em expansão, promoveu o aparecimento de diversas disciplinas ligadas às ciências naturais e também às chamadas ciências humanas. A Sociologia e a Antropologia têm aí seu nascedouro.

Os primeiros pesquisadores ligados à nova ciência, afirmavam que para conhecer o “homem” não bastava estudar a sociedade européia (considerada, equivocadamente, um todo coeso e uniforme). Era preciso analisar agrupamentos sociais formados por não-europeus, preferencialmente aqueles com hábitos bastante diversos dos de moradores de Paris, Londres ou Milão. Assim se deu o nascimento da Antropologia.

Enquanto a Sociologia pode ser definida como “ciência da sociedade”, a Antropologia se configura como “ciência do homem”. Dessa forma, crenças religiosas, formas de organização política, costumes, manifestações artísticas, estrutura familiar, idiomas, relações com outros grupos sociais, tudo isso forma o objeto de estudo do antropólogo.
Existe um conceito que pode resumir esse objeto de estudo: o de cultura. Essa palavra, em sua origem usada para designar o processo de “cultivar a terra” – daí a falarmos, por exemplo, em cultura de grãos –, foi passando por sucessivas ampliações de sentido, até que chegou aos significados que conhecemos hoje.
Se encontramos uma pessoa com vasto conhecimento sobre literatura, cinema, artes plásticas, música, costumamos dizer que ela tem muita cultura, já que esse termo pode definir, de acordo com o dicionário Houaiss, “o cabedal de conhecimentos, a ilustração, o saber de uma pessoa”. Em outra perspectiva, quando dizemos que um governo precisa investir mais em cultura, queremos dizer que é necessário valorizar o “complexo de atividades, instituições, padrões sociais ligados à criação e difusão das belas-artes, ciências humanas e afins”, uma vez que essa, de novo segundo o Houaiss, é outra acepção atual da palavra.

Para a Antropologia, o conceito de cultura é ainda mais amplo:

Ele engloba os padrões de comportamento, as crenças e os valores, os conhecimentos e os costumes que caracterizam um grupo social e, mais do que isso, que fazem com que cada membro de um mesmo grupo interprete o mundo de modo mais ou menos parecido.

Assim, a cultura não está associada apenas a elementos que podem ser considerados em sua realidade concreta e material; ela também remete a formas abstratas de pensamento, aos símbolos por meio dos quais cada homem compreende e avalia tudo o que ocorre a sua volta.
Usando as palavras de Denys Cuche: “Se todas as ‘populações’ humanas possuem a mesma carga genética, elas se diferenciam por suas escolhas culturais, cada uma inventando soluções para os problemas que lhe são colocados”. Essas escolhas culturais não são – é importante que se diga – racionais ou intencionais. Elas são o resultado do acúmulo de experiências de várias gerações e podem alterar-se conforme as necessidades do grupo.

Com efeito, do ponto de vista biológico, todos os homens são iguais e pertencem a uma mesma espécie. Porém, do ponto de vista antropológico, cada agrupamento humano tem a sua cultura e as suas particularidades. Foi por isso que os primeiros antropólogos, reconhecendo essas diferenças, resolveram estudar sociedades não-européias, cujas culturas eram menos conhecidas e, desse modo, permitiriam maior desenvolvimento das pesquisas que se iniciavam.